Às companheiras do CEI,

Estamos inaugurando esse blog para facilitar a busca por textos, divulgação dos projetos e socialização das nossas experiências, especialmente para nós mesmos da equipe do CEI, como para outros interessados. Em breve adicionarei ná página mecanismos de organização dos conteúdos. Por enquanto, estou publicando os textos com "tags" (palavras-chave) do tipo PEAS 2010, Relações Étnico-Raciais, Educação Ambiental que podem ser clicadas ao final da postagem para selecionar os textos do mesmo assunto. Qualquer um do CEI que aceitar o convite para participar do blog poderá postar notícias e textos.

Abraços,

Sérgio

domingo, 5 de setembro de 2010

NANETTE BLITZ KONIG

Nacionalidade: Holandesa. Data de nascimento: abril/1929. Entrevistado por: Rosana Meiches, Ana Carolina Duarte e Lilian F. Souza – Núcleo de História Oral ArqshoahData da entrevista: 28/11/2008





NANETTE BLITZ KONIG (e seu marido) Foto tirada, por Taiane Marques dos Santos, em 28 de agosto de 2010 durante, Jornada Interdisciplinar Sobre o Holocausto na USP





Nasci em Amsterdã, Holanda, em abril de 1929. Meu pai chamava-se Martijn Willem Blitz, natural da Holanda, atuava na gerência do Banco de Amsterdã. Minha mãe Helene Victoria Davids nasceu em Kimberley na África do Sul onde morava sua família que, durante a Primeira Guerra Mundial, retornou à Inglaterra. Meu irmão Bernard Martijn nasceu em agosto de 1927 e meu irmão mais novo, Willem, em 1932. Ele faleceu em novembro de 1936. Em casa falávamos o holandês e o inglês. Tínhamos aula de religião com um rabino. Tive uma juventude feliz. Estudava numa escola pública diferenciada, em função de uma vizinhança privilegiada. Meu pai recebia muitas visitas do exterior porque ele trabalhava com papéis estrangeiros. Chegamos a ir em férias à Suíça, Inglaterra...Quando os nazistas invadiram a Holanda em 1940, todas as famílias judias tiveram que se registrar na prefeitura. Usávamos a estrela amarela, desde 1942. Exigiram também que os judeus das províncias viessem para Amsterdã. As autoridades do governo de Amsterdã deram para os alemães mapas identificando os locais onde residiam a maioria dos judeus, o que facilitou o trabalho da deportação.
Minha deportação demorou um pouco mais, porque minha mãe, por ter nascido na África do Sul, alegava que não era judia. Nada conseguiu com a tentativa... Foi nessa época que encontrei Anne Frank, em outubro de 1941 no liceu judaico, quando não era mais permitido aos alunos judeus freqüentar escolas públicas. Fui a única aluna da classe, que encontrou Anne em Bergen Belsen, um mês antes dela falecer. Falei com ela várias vezes e durante estas conversas contou-me que queria usar o diário que estava escrevendo como base de um livro a ser publicado depois da guerra. Tenho comigo ainda a carta que seu pai me mandou depois da guerra. Seu pai Otto Frank, chegou a visitar-me em outubro de 1945 no sanatório em Santpoor, próximo de Haarlem onde eu estava me recuperando de um ferimento. Contou-me que pretendia publicar o diário de sua filha Anne. Ainda hoje mantenho contato com os outros alunos da minha classe.
Por ocasião da invasão dos nazistas à Holanda, meu pai foi impedido de trabalhar no banco, tendo acatado a orientação de se demitir. Foi colocado junto com a família numa lista de judeus que deveriam ir para a Palestina, supostamente, para sermos trocados por prisioneiros de guerra. Meu pai faleceu em 24 de novembro de 1944, antes desta ordem ser executada. Em 29 de setembro de 1943 fomos levados para Westerbork, um campo de transição. Todas as terças-feiras saiam de Westerbork um trem com 2 mil judeus que eram transportados direto para Bergen-Belsen e para os campos de extermínio em Auschwitz - Birkenau, Sobibor.
Meu pai chegou a enviar uma carta a um conhecido na Suíça, que trabalhava em banco. Nesta carta, meu pai dizia que podia receber pacotes. Após a guerra, este senhor me escreveu e me enviou, em anexo, a carta que meu pai lhe havia escrito e disse que sentia muito não ter-lhe dado resposta. Eu guardei estas cartas. No dia 15 de fevereiro de 1944 fomos levados para Bergen Belsen em um trem comum.
Nesse campo eu ajudava a cuidar das crianças e fazia mais alguns serviços... Os nazistas faziam os homens trabalhar como cavalos, Foi horrível... No dia 4 de dezembro, meu irmão Bernard foi deportado para Oranienburg perto de Sachsenhausen. Foi morto assim que chegou ao campo. Minha mãe foi deportada para uma mina de sal em Beendorf onde funcionava uma fábrica para produzir peças para aviões. Ali, as condições de trabalho eram terríveis. Em abril de 1945 ela morreu no trem que eventualmente chegou até à Suécia.
Eu continuei em Bergen Belsen, junto com minhas primas. Em 15 de abril de 1945, os ingleses entraram. Eu pesava apenas 32 kg e estava com tifo. Consegui manter meus documentos comigo e quando os ingleses me encontraram, entrei em coma. Tive pneumonia e tuberculose. Perto de Bergen-Belsen funcionava uma escola militar, que foi usada para alojar alguns dos ex-prisioneiros. Acordei no chão num colchonete, numa das barracas onde os prisioneiros alemães foram compelidos a ‘cuidar’ dos doentes. Um major inglês me viu e achou que eu fosse inglesa. Por causa disso fui transferida para uma cama e recebi a visita de um oficial médico que cuidou do ferimento que eu havia contraído anteriormente. Fui transferida para um hospital em Celle de onde fui transportada de avião para Eindhoven, na Holanda. No outono fui levada para um sanatório em Santpoort perto de Haarlem, onde fiquei durante três anos, recuperando-me. Uma enfermeira, que cuidou do meu falecido irmãozinho, veio ao sanatório e se ofereceu para cuidar de mim. Somente em maio de 1948 obtive alta do sanatório.
Minhas duas primas que também sobreviveram. Na época tinham dois e oito anos. Foram colocadas num trem que foi libertado pelos russos. Os seus pais não sobreviveram. Elas ficaram em um orfanato em Amsterdã. Várias famílias holandesas adotaram crianças judias durante a guerra, salvando-as dos alemães nazistas. Muitas destas famílias, após a guerra, não devolveram estas crianças aos seus pais e, muitas elas não sabem sequer que foram adotadas, infelizmente.
Um amigo de meu pai foi meu tutor na Holanda, pois meu pai havia deixado uma carta com nomes de pessoas que poderiam nos ajudar, caso ele faltasse. Tenho estes nomes comigo ainda hoje. Eu procurei pelo dinheiro de meu pai, mas me disseram que o dinheiro dos judeus havia sido transferido para o banco, e que este banco não existia mais. O banco onde papai havia trabalhado me pagava uma importância mensal, como sua descendente. Depois, meu tutor aconselhou-me a abrir mão deste valor, pois “já era suficiente”.
Minha tia, irmã de minha mãe insistiu para que eu morasse na Inglaterra. Mudei em abril de 1949. Estudei e formei-me em secretária bilíngüe. Trabalhei num banco comercial no centro financeiro até me casar, em agosto de 1953, com John Konig, nascido em Budapeste, engenheiro formado na Inglaterra, cujos pais faleceram pouco tempo após o
final guerra. Em 1951, John veio ao Brasil, à trabalho. Logo após nosso casamento, emigramos para o Brasil e em junho do ano seguinte nasceu nossa primeira filha, Elizabeth Helene.
Em dezembro de 1956 resolvemos nos mudar para os Estados Unidos, pois John iria trabalhar para uma companhia multinacional. Em setembro de 1957 nasceu Judith Marion, nossa segunda filha. Em janeiro 1959 John foi enviado para Argentina onde residimos por cinco meses, enquanto John participava do início das operações da fábrica da empresa onde trabalhava. Em maio de 1959 regressamos ao Brasil. Meu terceiro filho Martin Joseph nasceu em maio de 1962, em São Paulo.
Sou muitas vezes convidada dar apresentações sobre as minhas experiências durante a guerra, especialmente por causa da minha ligação de amizade com Anne Frank.
A lembrança mais forte que guardo dessa época foi quando fomos arrancados de casa. Até hoje escuto a batida na porta, a gritaria, a baixaria. Uma coisa que não se transmite são os cheiros, os gritos e a desumanização! As pessoas não eram nada... Pouco antes dos ingleses entrarem em Bergen Belsen, eu estava em uma fila para buscar água e, de repente, o guarda me tirou de lado e apontou-me a arma. Eu demonstrei indiferença: e daí, diante da minha indiferença, ele atirou no ar. Acho que ele não tinha prazer em me matar. Ainda hoje eu me pergunto, se mataram tantos porque não me mataram também?
Recordo-me também de outro momento, que nós ficamos em pé, em uma fila para ser contados em Bergen-Belsen: a gente nunca sabia quem ia ser tirado da fila. Eu enfrentei Joseph Kramer que me chamou, e naquela hora poderia ter sido condenada à morte, foram todos, e eu fiquei. Eu não era nem melhor nem pior... O que lamento é a falta de conhecimento da história do Holocausto, da história européia. Há um total desinteresse sobre o Holocausto. Eu não acredito que existam pessoas que negam o que aconteceu.

Um comentário:

  1. Puxa que historia...Eu tambem sou um Konig...minha familia é de Hamburg Alemanha e vieram para Argentina ,Paraguai e Brasil....minha avó materna se chama lidia Garmatz Konig e minha avó paterna se chama Julia pens Blitz ....nomes iguaiz...na Argetina a familia foi mesclada com os Brizueñas...quem quizer saber mais vai ai meu email....konig65@hotmail.com
    alexander

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