Às companheiras do CEI,

Estamos inaugurando esse blog para facilitar a busca por textos, divulgação dos projetos e socialização das nossas experiências, especialmente para nós mesmos da equipe do CEI, como para outros interessados. Em breve adicionarei ná página mecanismos de organização dos conteúdos. Por enquanto, estou publicando os textos com "tags" (palavras-chave) do tipo PEAS 2010, Relações Étnico-Raciais, Educação Ambiental que podem ser clicadas ao final da postagem para selecionar os textos do mesmo assunto. Qualquer um do CEI que aceitar o convite para participar do blog poderá postar notícias e textos.

Abraços,

Sérgio

terça-feira, 6 de julho de 2010

A Chacina de Uruguaiana


O seu canal de informação sobre os direitos da criança e do adolescente
Editor: Lauro Monteiro

A Chacina de Uruguaiana

Rio de Janeiro, 23 de junho de 2000.,
De uma só vez morreram queimadas 12 crianças menores de 3 anos, em creche no Rio Grande do Sul. Dormiam após o almoço, como fazem as crianças pequenas, tranqüilas e confiantes nos adultos responsáveis pelo seu bem estar.
leia mais em www.observatoriodainfancia.com.br
De uma só vez morreram queimadas 12 crianças menores de 3 anos, em creche no Rio Grande do Sul. Dormiam após o almoço, como fazem as crianças pequenas, tranqüilas e confiantes nos adultos responsáveis pelo seu bem estar. Tranqüilas e confiantes estavam também as mães ao deixarem seus filhos na creche. A imagem marcante de paz e inocência de dezenas de crianças pequenas dormindo todas ao mesmo tempo, é conhecido por todos aqueles que já visitaram ou trabalharam em creches. Mas a inércia, a negligência, a omissão dos responsáveis, interrompeu com violência o sono e levou à morte aquelas crianças.
Durante anos vi crianças queimadas chegarem ao Serviço Pediatria do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio. Muitas foram vítimas de incêndio em seus barracos miseráveis. Algumas se recuperavam com graves e mutilantes seqüelas. A maioria morria. A história era sempre a mesma: a mãe saíra para o trabalho, ou por qualquer outra razão, e deixara seus 2 , 3, ou 4 filhos sozinhos em casa. Um curto circuito em um ventilador, uma vela em um cortinado ou até a tentativa de matar mosquitos com o fogo, colocado pelas crianças em um jornal, inicia o incêndio. Os maiores correm. Aqueles que ainda não andam ou são mais frágeis, morrem queimadosou pela asfixia de fumaça. Os jornais noticiam estas situações com freqüência. Quem foram os responsáveis ?
A nossa sociedade está acostumada a não responsabilizar ninguém nessas situações. Talvez por reconhecer a própria culpa pelas condições desumanas e quase primitivas em que vivem muitas pessoas, vítimas da enorme injustiça social, que não permite que pais tenham, sequer, condições de prover aos filhos o básico necessário para o seu desenvolvimento. É difícil, na maioria das vezes, considerar esses pais negligentes. Mas é responsabilidade deles colocar os filhos mais velhos na escola; os pequenos devem estar em creches, se não puderem eles proporcionar os continuados cuidados que uma criança requer.
E foi o que fizeram os pais dessas crianças gaúchas. Confiaram seus filhos aos cuidados de uma creche. Mas o local que deveria ser de segurança, era um espaço de destruição. É importante discutir ao menos dois aspectos relativos a essa tragédia: a imperiosa disponibilização de creches de qualidade para todas as crianças menores de 3 anos e a necessidade da sociedade absorver a diferença entre negligência e acidente.
Acidente é uma situação eventual, fortuita e imprevista (Aurélio). As situações que implicam em riscos e que podem ser previstas e, portanto, prevenidas e evitadas, se não o forem, não poderão ser chamadas de acidentes. Trata-se de negligência.
A negligência dos responsáveis pela guarda e proteção de crianças e adolescentes pode, por sorte, não ter graves conseqüências, ou pode levar a danos severos e à morte. Neste último caso, trata-se de um homicídio culposo, ou seja, não intencional. Crianças devem obrigatoriamente ser protegidas. Se não o forem e isso levar a danos para as crianças, os responsáveis devem ser indiciados e caberá à Justiça decidir de que forma serão eles punidos. Às vezes a maior punição é imposta pela própria situação, como é o caso da perda de um filho por pais negligentes. Quantas crianças morrem ou ficam incapacitadas por "acidente", quando tratava-se realmente de negligência?
Crianças que caem de janelas ou varandas de apartamentos em andares altos, sem grades ou telas de proteção, que são intoxicadas por medicamentos ou produtos de limpeza deixados ao seu fácil alcance, que se queimam com líquidos ferventes porque brincam junto ao fogão, ou são eletrocutadas ao empinarem pipa junto a fios de alta tensão, ou quando são conduzidas em motos ou automóveis de forma errada e arriscada. São todas situações exemplares, entre tantas outras que poderiam ser evitadas e prevenidas.
Não são necessárias profundas investigações para caracterizar como negligência, com graves conseqüências, a situação da creche de Uruguaiana. As crianças dormiam sozinhas em uma sala fechada, aquecida por uma estufa velha. Um princípio de incêndio já ocorrera há um ano atrás, da mesma forma, sem que providências fossem tomadas. Dos 18 funcionários responsáveis por 117 crianças, só 4 estavam na creche e nenhum com as crianças que morreram.
Creche é uma prioridade para a família brasileira. Não é aceitável que não haja creches para todas as crianças em qualquer município do país. Os prefeitos omissos deveriam ser responsabilizados junto à Justiça, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por outro lado, as normas técnicas para o funcionamento de creches já estão bem estabelecidas. Têm que ser obrigatoriamente cumpridas. As creches devem sofrer constante fiscalização. Isso é prioridade. Afinal estamos tratando de proteção de crianças indefesas, menores de 3 anos de idade.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, através da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes e Violência na Infância e Adolescência e, em parceria com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, vem mobilizando os pediatras e a sociedade para o tema, em todo o país. É um grande passo.
A ABRAPIA recebe, por anos, 3100 denúncias do estado do Rio de Janeiro. Em primeiro lugar vem a negligência, com 59% das denúncias. Com o apoio do UNICEF, esta Instituição vem sensibilizando a sociedade através de palestras e da divulgação de cartazes, que confrontam duas situações bem diversas: acidentes e negligência. Mas pouco avançaremos se os responsáveis não forem levados à Justiça, após as indispensáveis investigações.
Para tanto é necessário que a sociedade em geral, as entidades preocupadas com a garantia de direitos de crianças e adolescentes, os conselhos de direitos e os conselhos tutelares, se mantenham vigilantes e que o Ministério Público, sempre tão presente, juntamente com a polícia, recolham as provas necessárias para o indiciamento dos responsáveis.
Uma sociedade como a nossa, que apesar das grandes dificuldades avança firmemente na questão da garantia dos direitos humanos não pode tolerar que os responsáveis pela negligência que levou a uma verdadeira chacina de 12 crianças, não sejam exemplarmente punidos.

Lauro Monteiro Filho
Editor

Os textos do Observatório da Infância podem ser reproduzidos, desde que citada a fonte

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